O tempo de exercício do cargo de agente de polícia pode ser utilizado para fins de comprovação de atividade de prática jurídica em concurso público?

Se antes existia uma controvérsia sobre a possibilidade de comprovar como atividade de prática jurídica o exercício do cargo de agente de polícia veio o Conselho Nacional de Justiça – CNJ e aterrou esse dilema. O entendimento foi exarado no Procedimento de Controle Administrativo nº 0004602-34.2018.2.00.0000.

Um candidato, agente de polícia da Polícia Civil do Distrito Federal, teve a inscrição indeferida no 187º Concurso de Ingresso na Magistratura do Tribunal do Estado de São Paulo. No PCA narrou ter logrado aprovação nas duas primeiras etapas do certame, mas que, na 3ª fase, sua inscrição definitiva foi indeferida pela banca examinadora por não considerar como preenchido o requisito dos 3 (três) anos de prática jurídica, mesmo o requerente tendo comprovado o exercício das atividades do cargo de agente de polícia da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) de 2010 a 2018, depois de sua colação de grau no curso de direito ocorrida em dezembro de 2009.

O Tribunal de Justiça do estado de São Paulo fundamentou que o art. 58, §1º, da Resolução CNJ nº 75/2009, determina que o requerimento da inscrição definitiva deverá ser instruído com “certidão ou declaração idônea que comprove haver completado, à data da inscrição definitiva, 3 (três) anos de atividade jurídica, efetivo exercício da advocacia ou de cargo, emprego ou função, exercida após a obtenção do grau de bacharel em Direito” (art. 58, §1º, alínea “b”).Finalizou o tribunal afirmando que as funções e tarefas desempenhadas pelo candidato não se incluem entre aquelas que podem ser exercidas exclusivamente por bacharel em Direito, já que não exigem a utilização reiterada e preponderante de conhecimento jurídico.

O CNJ fundamentou que o cargo de Agente de Polícia do Distrito Federal tem atribuições previstas no decreto nº 30.490, de 22 de junho de 2009: “I – Investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais; II – assistir a autoridade policial no cumprimento das atividade de Polícia Civil; III – Coordenar ou executar operações e ações de natureza policial ou de interesse de segurança pública; IV – Executar intimações, notificações ou quaisquer outras atividades julgadas necessárias ao esclarecimento de atoas ou fatos sob investigações”.

Reconheceu o conselho que o candidato apresentou certidão circunstanciada, subscrita por delegado de polícia, na qual se descreveu as atividades desempenhadas pelo servidor quando lotado na Coordenação de Repressão à Drogas (Cord) e na Coordenação Especial de Repressão à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes Contra a Administração Pública e aos Crimes Contra a Ordem Tributária (Cecor).

O CNJ entendeu que as tarefas exercidas pelo candidato como servidor público enquadra-se no conceito de atividade jurídica por constituírem funções que exigem de seu executor a utilização preponderante de conhecimento jurídico, assim como enfatizado pelo próprio delegado subscritor. Que conforme a Resolução CNJ nº 11/2006 o conselho reconheceu que o exercício não afasta a possibilidade de seu enquadramento no conceito de atividade jurídica para ingresso na magistratura, conforme se depreende da ementa:

“Trata-se de questionamento apresentado por Bruno Luiz Meira Lima Guerra acerca do art. 2º da Resolução no 17/2006 do CNJ, expondo, a título exemplificativo, a seguinte situação: Quando se tratar de funcionário público, com formação advocatícia, mas que exerça uma função que não é preponderantemente de conhecimento jurídico, digamos agente de polícia do DF; note-se que este funcionário estaria impedido de exercer atividade na área advocatícia, por força da própria função, mas o cargo que ocupa não exige preponderantemente conhecimento jurídico, visto que qualquer pessoa com curso superior, até mesmo de educação-física, poderá exercer tal função de agente de polícia. Assim, indaga se uma pessoa que se enquadre em tal situação seria impedida de assumir cargo de Juiz, caso aprovada em concurso público; se a resposta for positiva, se não se estaria violando um direito constitucional.

(…)

Ocorre que, muito embora seja permitido a profissionais com formação superior em outra área o desempenho das funções de Agente Policial, tal fator não afasta a possibilidade de seu enquadramento no conceito de atividade jurídica.

(…)

Assim, o entendimento que deve ser conferido a tal situação é o de que ela se enquadra nas prescrições do art. 2′ da Resolução no 11/2006, caracterizando a atividade jurídica exigida para ingresso na magistratura nacional, desde que conste de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições exercidas e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos.”(CNJ – PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 1079 – Rel. Eduardo Lorenzoni – 36ª Sessão – j. 13/03/2007 ).

 

Trouxe ainda o CNJ precedente do Supremo Tribunal Federal reproduzindo o reconhecimento da experiência jurídica a partir do exercício de cargos não privativos de bacharel em direito, vejamos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE SUSPENDEU A DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO. EXCLUSÃO DO IMPETRANTE DO CURSO DE FORMAÇÃO PARA MAGISTRADOS DO TJ/MA. TRÊS ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA. ART. 129, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE JURÍDICA. COMPROVAÇÃO. CARGO NÃO-PRIVATIVO DE BACHAREL EM DIREITO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA

PROVIMENTO. 1. A comprovação de atividade jurídica, pode considerar o tempo de exercício em cargo nãoprivativo de bacharel em Direito, desde que, ausentes dúvidas acerca da  natureza eminentemente jurídica das funções desempenhadas. Precedente: MS 27.604, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 9/2/2011). 2. A atividade jurídica trienal, a que se refere o § 3º do art. 129 da Constituição da República, conta-se: a) da data da conclusão do curso de Direito; b) do momento da comprovação desse requisito na data da inscrição no concurso público (ADI 3.460, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, DJ 15/6/2007). 3. In casu, a Comissão de Concursos do TJ/MA considerou que o candidato possuía apenas 2 anos e 9 meses de exercício da atividade jurídica, posto não considerar o período em que o impetrante prestou assessoria jurídica na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão de junho de 2006 a novembro de 2006, por entender que o referido cargo não era privativo de bacharel em direito, bem como pelo seu período ter se iniciado antes da graduação no curso de Direito. 4. Deveras, desempenhadas as funções de magistrado desde 5/6/2010 e mercê de impor-se o cômputo do período de trabalho na Assembleia Legislativa do Maranhão como de atividade apta para os fins do concurso da magistratura, porquanto as atividades realizadas possuíam caráter jurídico. 5. Agravo regimental DESPROVIDO.

(MS 28226 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 25-08-2015 PUBLIC 26- 08-2015)

 

Assim o CNJ entendeu pela evidente desproporcionalidade o indeferimento da inscrição do candidato por parte da banca examinadora, uma vez que as atividades por ele desempenhadas dificilmente seriam desenvolvidas por profissionais alheios ao ramo do Direito.

Ademais, o Conselho fundamentou que além do nítido caráter jurídico das atividades desempenhadas enquanto agente de polícia, por se tratar de profissão que requer dedicação exclusiva, o candidato estaria impossibilitado de comprovar o requisito constitucional pelo exercício de outras profissões, inclusive a de advogado.

E finalizou o CNJ julgando procedente o PCA fundamentando que o exercício das atribuições do cargo de agente de polícia, com descrição em certidão circunstanciada dos atos realizados habilita o candidato a permanecer nas demais etapas do Concurso de Ingresso na Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois resta comprovado o desempenho dos 3 (três) anos de atividade jurídica em funções que envolvem a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, nos termos exigidos pelo art. 93, I, da CF; e pelos arts. 59, III e §2º da Resolução CNJ nº 75/2009.

 

Procedimento de Controle Administrativo nº 0004602-34.2018.2.00.0000.

 

 

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