Fase de investigação da vida pregressa e conduta social no concurso público da Carreira dos Profissionais do Sistema Penitenciário da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do estado do Mato Grosso

Para a investidura em diversos cargos públicos se faz necessário avaliar a conduta social da vida do candidato com a finalidade de escolha do melhor individuo para exercer o múnus público. Para os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público por exemplo é necessário que o candidato possua conduta ilibada que significa uma conduta correta, íntegra, honesta de acordo com a moral e os bons costumes. O constituinte originário, ao dispor sobre a forma de escolha e nomeação de determinados cargos e entre eles o de ministros do STF, especificou, adjetivando, como deve ser a fama, a opinião do público a respeito daquele a ser nomeado, o renome, qual seja: reputação ilibada.

Os concursos da área de segurança pública geralmente exigem dos candidatos uma conduta proba e ilibada que é avaliada através da etapa de análise da vida pregressa e investigação social.

Por mais que a exigência de análise da vida do candidato seja permitida pelo direito, em alguns casos é possível constatar que alguns candidatos são eliminados por motivos que fogem a razoabilidade tornando o ato de eliminação ilegal e inconstitucional.

E acontece até de os atos administrativos serem desprovidos de fundamentação adequada violando o princípio da motivação dos atos e consequentemente impedindo o exercício do princípio da ampla defesa e do contraditório. É o que aconteceu recentemente com diversos candidatos aspirantes ao cargo de Agente Penitenciário e Profissionais de Nível Superior do Sistema Penitenciário da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do estado do Mato Grosso.

Muitos candidatos foram contraindicados na fase de investigação social sem conhecerem os motivos de sua eliminação. Motivação é a declaração escrita do motivo que determinou a prática do ato. É a demonstração, por escrito, de que os pressupostos autorizadores da prática do ato realmente estão presentes, isto é, de que determinado fato aconteceu e de que esse fato se enquadra em uma norma jurídica que impõe ou autoriza a edição do ato administrativo que foi praticado.

Além da ausência de motivação muitos candidatos foram eliminados por atos que fugiram da razoabilidade e proporcionalidade afrontando de forma direta o princípio jurídico.

Um dos casos onde o candidato não pode ser eliminado nessa etapa é o de ter usado substância entorpecente onde foi realizada transação penal obrigando-se o autor do fato a cumprir pena correspondente a medida educativa. A mera existência de processo criminal sem desdobramento relevante não pode amparar a exclusão do candidato do certame conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Aqui uma vez cumprida a medida com o arquivamento do processo não há razões para a eliminação. Esse é o posicionamento do Ilustre Juiz da Quarta Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, nos autos do processo nº 2016.01.1.104853-8, onde a defesa e atuação partiu de nosso escritório, o qual brilhantemente ficou decidido (grifamos):

 

“O autor narra na inicial que participa de concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Agente de Atividades Penitenciárias, regido pelo Edital n. 1-SEAP-SSP, de 15/12/2014. Afirma ter sido eliminado da disputa na fase de sindicância da vida pregressa e investigação social, pois foi considerado não recomendado para o cargo. Concluiu-se que não tem procedimento irrepreensível, nem idoneidade moral inatacável. Afirma que o delito de porte de drogas para consumo próprio vem sendo despenalizado pela jurisprudência. Juntou documentos de fls. 21/94.

O pedido de antecipação de tutela foi deferido (fl. 97).

O DISTRITO FEDERAL apresentou contestação (fls. 105/110). Preliminarmente, apontou a nulidade da citação. Afirma que a eliminação do autor não é ilícita, pois não preencheu os requisitos necessários para ingressar em cargo de órgão da segurança pública. Aponta que não é possível a intervenção judicial para rever os critérios adotas pela banca examinadora.

Réplica às fls. 115/120.

As partes não manifestaram interesse na produção de outras provas.

A seguir, os autos vieram conclusos.

FUNDAMENTAÇÃO

(…)

O relatório de fls. 89 indica que o candidato foi considerado inapto na sindicância de vida pregressa em razão de ter respondido ao processo 2009.01.1.002857-8, que tramitou perante o 2º Juizado Especial Criminal de Brasília, instaurado para apurar uso e porte de substância entorpecente.

Ocorre que foi realizada transação nos referidos autos, com base em proposta do Ministério Público, obrigando-se o autor do fato a cumprir pena correspondente a medida educativa. Cumprida a medida pelo autor, o processo foi ao final arquivado com base no art. 395, III, do CPP (falta de justa causa).

Assim, infere-se que o processo penal instaurado contra o autor não pode ser considerado para fins de definição do candidato como inapto para cargo público.

Com efeito, o art. 76, § 6º, da Lei 9099/1995 determina que as penas impostas ao autor do fato a partir de transação penal não podem constar de certidão de antecedentes criminais, salvo para efeito de impedir a concessão de novo benefício, e não terá efeitos civis.

Ora, se a pena alternativa não gera efeitos civis, não pode ser considerada como fato negativo capaz de tornar inapto o autor em avaliação de conduta de concurso público.

Vale dizer, a transação penal devidamente homologada não importa em assunção de culpa, de modo que a valoração da pena restritiva de direitos em detrimento do autor do fato também ofende o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, a informação consistente no processo instaurado contra o autor não poderia ser levada em conta em seu prejuízo.

Ademais, a mera existência de processo criminal sem desdobramento relevante não pode amparar a exclusão do autor do certame em apreço, conforme o seguinte entendimento do e. STF, que diz:

“(…) A exclusão de candidato regularmente inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo fato de existirem registros de infrações penais de que não resultou condenação criminal transitada em julgado vulnera, de modo frontal, o postulado constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.”

(ARE 847535 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 05-08-2015 PUBLIC 06-08-2015)

Bem assim, ao contrário da tese defendida pelo DISTRITO FEDERAL, é ilegal o ato praticado com violação a princípios constitucionais, sobretudo o da presunção de inocência, sujeitando-se, portanto, ao controle por parte do Poder Judiciário.

Logo, o deferimento do pedido do pedido é a medida que se impõe.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, confirmando a antecipação da tutela, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar a nulidade do ato que eliminou o autor do concurso público para o cargo de Agente de Atividades Penitenciárias, regido pelo Edital n. 1-SEAP-SSP, de 15/12/2014, devendo ser reintegrado na disputa, bem como ser permitida sua participação nas demais fases, na condição “sub judice”, até o Curso de Formação, inclusive. Caso venha a ingressar no Curso de Formação e concluí-lo com êxito, deverá ser reservado cargo ao requerente, vedada posse efetiva antes de decisão definitiva nesta ação.

Resolvo o mérito da demanda, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil – CPC.

Sem custas, ante a isenção do Poder Público. Condeno o réu ao pagamento de honorários de sucumbência, equivalente a 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, em observância ao § 3º do art. 85 do CPC.

Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 496 – CPC).

Após o trânsito em julgado, nada requerido, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.

  1. R. I.

Brasília – DF, sexta-feira, 07/07/2017 às 13h19.

 

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou ato da Gerência de Inteligência Prisional de Mato Grosso que considerou um candidato “não recomendado” para o exercício do cargo de agente penitenciário. Os ministros da Turma concluíram que não houve declaração falsa e aplicaram a jurisprudência da Corte, que não admite a eliminação de candidato na fase de investigação social do concurso público em razão da existência de inquérito policial ou ação penal. Vejamos ementa (grifamos):

 

CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS.

Não há declaração falsa quando a pergunta que o candidato respondeu negativamente indagava se já havia sido “intimado ou processado pela Justiça”, ante a prova de que nunca fora notificado dos inquéritos policiais, de resto todos arquivados.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 38.870 – MT (2012/0171789-0) – RELATOR: MINISTRO ARI PARGENDLER

 

O Egrégio Supremo Tribunal Federal possui entendimento firmado sobre o assunto proferido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 733.957, vejamos:

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO.INVESTIGAÇÃO SOCIAL. VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO.EXISTÊNCIA DE REGISTROS CRIMINAIS. PROCEDIMENTOS PENAIS DE QUE NÃO RESULTOU CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSGRESSÃO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

A exclusão de candidato regularmente inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo fato de existirem registros de infrações penais de que não resultou condenação criminal transitada em julgado vulnera, de modo frontal, o postulado constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 733.957 CEARÁ

 

Assim, o ato administrativo se torna nulo quando não há a devida motivação, quando não se expõe os motivos que levaram a prática daquele ato. A motivação do ato é que leva ao candidato o conhecimento dos motivos que levaram a Administração Pública a adotar determinado ato de eliminação. Não havendo motivação, enquanto sub-elemento da forma que é, furtam-se aos candidatos as prerrogativas de poder contraditar e contestar os motivos do ato, que não são levados ao conhecimento.

Diante do exposto, podemos concluir que a eliminação do candidato na etapa de vida pregressa e conduta social em concurso público é perfeitamente possível, desde que sejam observados os princípios constitucionais de forma a afastar uma possível eliminação injusta e desprovida de fundamentos jurídicos. Os atos administrativos de eliminação devem ser motivados, sob pena de nulidade, até para os candidatos terem a possibilidade de exercer o direito à ampla defesa e contraditório afastando dessa forma possíveis irregularidades cometidas pelos agentes públicos manejados sob a forma de abuso de poder.

Por: Fábio Ximenes

Advogado Especialista em Concursos Públicos.Atuação em todo o território nacional.

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