Sobre a investigação da vida pregressa e conduta social em concursos públicos

Para a investidura em diversos cargos públicos se faz necessário avaliar a conduta social da vida do candidato com a finalidade de escolha do melhor individuo para exercer o múnus público. Para os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público por exemplo é necessário que o candidato possua conduta ilibada que significa uma conduta correta, íntegra, honesta de acordo com a moral e os bons costumes. O constituinte originário, ao dispor sobre a forma de escolha e nomeação de determinados cargos e entre eles o de ministros do STF, especificou, adjetivando, como deve ser a fama, a opinião do público a respeito daquele a ser nomeado, o renome, qual seja: reputação ilibada.

Para os concursos da área de segurança pública geralmente exige-se do candidato uma conduta similar que é avaliada através da etapa de análise da vida pregressa e investigação social.

Por mais que a exigência de análise da vida do candidato seja permitida pelo direito em alguns casos é possível constatar que alguns candidatos são eliminados por motivos que foge a razoabilidade tornando o ato de eliminação ilegal e inconstitucional.

Um dos casos onde o candidato não pode ser eliminado nessa etapa é o de ter usado substância entorpecente onde foi realizada transação penal obrigando-se o autor do fato a cumprir pena correspondente a medida educativa. A mera existência de processo criminal sem desdobramento relevante não pode amparar a exclusão do candidato do certame conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Aqui uma vez cumprida a medida com o arquivamento do processo não há razões para a eliminação. Esse é o posicionamento do Ilustre Juiz da Quarta Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, nos autos do processo nº 2016.01.1.104853-8, onde a defesa e atuação partiu de nosso escritório, o qual brilhantemente ficou decidido (grifamos):

 

“O autor narra na inicial que participa de concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Agente de Atividades Penitenciárias, regido pelo Edital n. 1-SEAP-SSP, de 15/12/2014. Afirma ter sido eliminado da disputa na fase de sindicância da vida pregressa e investigação social, pois foi considerado não recomendado para o cargo. Concluiu-se que não tem procedimento irrepreensível, nem idoneidade moral inatacável. Afirma que o delito de porte de drogas para consumo próprio vem sendo despenalizado pela jurisprudência. Juntou documentos de fls. 21/94.

O pedido de antecipação de tutela foi deferido (fl. 97).

O DISTRITO FEDERAL apresentou contestação (fls. 105/110). Preliminarmente, apontou a nulidade da citação. Afirma que a eliminação do autor não é ilícita, pois não preencheu os requisitos necessários para ingressar em cargo de órgão da segurança pública. Aponta que não é possível a intervenção judicial para rever os critérios adotas pela banca examinadora.

Réplica às fls. 115/120.

As partes não manifestaram interesse na produção de outras provas.

A seguir, os autos vieram conclusos.

FUNDAMENTAÇÃO

(…)

O relatório de fls. 89 indica que o candidato foi considerado inapto na sindicância de vida pregressa em razão de ter respondido ao processo 2009.01.1.002857-8, que tramitou perante o 2º Juizado Especial Criminal de Brasília, instaurado para apurar uso e porte de substância entorpecente.

Ocorre que foi realizada transação nos referidos autos, com base em proposta do Ministério Público, obrigando-se o autor do fato a cumprir pena correspondente a medida educativa. Cumprida a medida pelo autor, o processo foi ao final arquivado com base no art. 395, III, do CPP (falta de justa causa).

Assim, infere-se que o processo penal instaurado contra o autor não pode ser considerado para fins de definição do candidato como inapto para cargo público.

Com efeito, o art. 76, § 6º, da Lei 9099/1995 determina que as penas impostas ao autor do fato a partir de transação penal não podem constar de certidão de antecedentes criminais, salvo para efeito de impedir a concessão de novo benefício, e não terá efeitos civis.

Ora, se a pena alternativa não gera efeitos civis, não pode ser considerada como fato negativo capaz de tornar inapto o autor em avaliação de conduta de concurso público.

Vale dizer, a transação penal devidamente homologada não importa em assunção de culpa, de modo que a valoração da pena restritiva de direitos em detrimento do autor do fato também ofende o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, a informação consistente no processo instaurado contra o autor não poderia ser levada em conta em seu prejuízo.

Ademais, a mera existência de processo criminal sem desdobramento relevante não pode amparar a exclusão do autor do certame em apreço, conforme o seguinte entendimento do e. STF, que diz:

“(…) A exclusão de candidato regularmente inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo fato de existirem registros de infrações penais de que não resultou condenação criminal transitada em julgado vulnera, de modo frontal, o postulado constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.”

(ARE 847535 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 05-08-2015 PUBLIC 06-08-2015)

Bem assim, ao contrário da tese defendida pelo DISTRITO FEDERAL, é ilegal o ato praticado com violação a princípios constitucionais, sobretudo o da presunção de inocência, sujeitando-se, portanto, ao controle por parte do Poder Judiciário.

Logo, o deferimento do pedido do pedido é a medida que se impõe.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, confirmando a antecipação da tutela, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar a nulidade do ato que eliminou o autor do concurso público para o cargo de Agente de Atividades Penitenciárias, regido pelo Edital n. 1-SEAP-SSP, de 15/12/2014, devendo ser reintegrado na disputa, bem como ser permitida sua participação nas demais fases, na condição “sub judice”, até o Curso de Formação, inclusive. Caso venha a ingressar no Curso de Formação e concluí-lo com êxito, deverá ser reservado cargo ao requerente, vedada posse efetiva antes de decisão definitiva nesta ação.

Resolvo o mérito da demanda, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil – CPC.

Sem custas, ante a isenção do Poder Público. Condeno o réu ao pagamento de honorários de sucumbência, equivalente a 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, em observância ao § 3º do art. 85 do CPC.

Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 496 – CPC).

Após o trânsito em julgado, nada requerido, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.

  1. R. I.

Brasília – DF, sexta-feira, 07/07/2017 às 13h19.

 

Assim, podemos concluir que a eliminação do candidato na etapa de vida pregressa e conduta social em concurso público é perfeitamente possível, desde que sejam observados os princípios constitucionais de forma a afastar uma possível eliminação injusta e desprovida de fundamentos jurídicos.

Autor: Fábio Ximenes, Advogado Especialista em Concursos Públicos.

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